segunda-feira, 9 de abril de 2012

A hipótese mais simples é normalmente a mais viável

 
 Há quem tenha um olho de cada cor: um verde e um castanho, um castanho e um azul, um verde e um cinzento, um azul e um de vidro... Jim Stevens tinha uma orelha de cada cor. E nenhuma que combinasse com o seu tom de pele. Uma era púrpura e a outra cor de mostarda. Tinha sido assim desde sempre, desde que se lembrava, pelo menos. Em criança era gozado por todas as outras crianças, e inclusive alguns adultos: " Eh eh, olha...hm, olha... o miúdo que tem uma orelha púrpura e outra cor de mostarda!" - ao que Stevens não conseguia deixar de responder na sua cabeça: "Está bem, e agora? Queres uma bolacha?".
  Porém tudo mudou quando entrou para a universidade. Era simplesmente excêntrico. Houve até uma altura em que se tornou moda, e toda a gente no campus queria ter as orelhas às cores. Acabou por ser proibida pela reitoria (em vão), já que os estudantes tentavam tingir as cartilagens com os líquidos coloridos do laboratório de química, alegando que a única alternativa eram os lápis de cera, e que esses não duravam mais de 2h. Houve mesmo um aluno particularmente dotado, Ron Johnson, que tentou imprimir a cor desejada nos abanicos laterais da sua cabeça. Literalmente. Ron, sem que o professor de física avançada o consiga ainda hoje explicar, arranjou forma de enfiar o crânio na impressora da biblioteca. Um erro no cálculo do ângulo de inserção fez com que não as orelhas mas os dentes de Ron fossem impressos de um, pouco agradável, cinza azulado (a sua sensibilidade para as cores também não era a melhor). No campus o acontecimento foi marcado de grandes festejos, gargalhadas e garrafas sem carica. Porém, receando sermões e punições paternais, Ron catapultou em trambolhões sonoros que se tratava de escorbuto, e acabou por ser internado num centro de reabilitação para marinheiros, nos dois semestres seguintes.
  Enquanto isto, Jim era o centro das atenções, conseguia manter o que todos os outros nem conseguiam atingir. Tinha filas de raparigas à porta do seu dormitório, todos queriam conhecer o Jim Stevens. Ia a todas as festas, comia e bebia sem pagar, A universidade foi a melhor altura da sua vida. Pelo menos até a moda passar, quando apareceu um caloiro com uma t-shirt amarela. Jim passou a andar de gorro e lembrou-se que tinha um curso para fazer. Tinham passados 10 anos e chumbara a todas as cadeiras.
  Anos mais tarde não conseguia arranjar emprego. As suas orelhas eram um problema e a maior parte dos empregadores não aceitavam que usasse o seu gorro de lã grossa cor-de-laranja nas horas de expediente. Um dia, aproveitando a ida ao mecânico por causa do seu dispensador de Pez que ficara encravado, Jim indagou se haveria resposta ao seu problema. Peter Peterson, o mecânico, levou-o para uma salinha, pequena, rectangular, totalmente branca. De repente, com um estalido, abrem-se simultaneamente pequenas janelas quadradas, negras no interior, ao longo das duas paredes laterais. Ouvem-se gritos. Altos e agudos. Cá fora Peterson sorri furtivamente enquanto passeia os dedos pelas teclas do piano imaginário que está pousado em cima da sua secretária, Miss Taylor, uma jovem tímida e atraente, mas não demasiado. Alguns minutos depois os gritos param. Instala-se um silêncio mórbido. Perterson levanta-se, fecha a tampa do piano imaginário e dirige-se à sala. Ao projectar a mão em direcção à maçaneta esta roda, Peterson dá um passo atrás. A porta começa a entreabrir-se mostrando uma linha de luz branca, intensa, que vai aumentando. Peterson recua lentamente, enquanto lentamente a porta se abre. Ergue o olhar e eis que salta diante dele um Jim Stevens sorridente de olhos esbugalhados. Projecta-se sobre peterson e abraça-o. Este abraça-o de volta e trocam palmadas fortes nas costas um do outro, enquanto riem cada vez mais alto. Jim está livre do seu problema. As suas orelhas não são mais de cores diferentes que não combinam com o seu tom de pele. Agora o lado esquerdo de Jim é todo ele completamente púrpura e o lado direito completamente cor de mostarda. As suas orelhas não voltarão a ser um problema.
  Radiante, Jim Stevens agradece a Peterson, paga-lhe o devido e este devolve-lhe a factura. Quanto ao dispensador de Pez, foi inevitavelmente para a sucata, não tinha arranjo.

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